sexta-feira, 2 de outubro de 2009

TEXTO - A TEMATIZAÇÃO DA PRÁTICA


A tematização da prática




Segundo Telma Weisz, doutora em Psicologia da Aprendizagem e do Desenvolvimento e formadora de professores, isso nada mais é do que a “análise que parte da prática documentada para explicitar as hipóteses didáticas subjacentes ao trabalho do professor”, ou seja, refletir sobre o dia-a-dia dentro da sala de aula.
A tematização da prática se opõe à tradicional visão aplicacionista da formação de professores, que oferece a eles um corpo de idéias e teorias para aplicar em sala de aula. “Tematizar é fazer com que o professor seja capaz de desentranhar as teorias que guiam a prática pedagógica real", diz Telma. Para chegar a essa capacidade de análise, há três caminhos: estudar, estudar e estudar. É o momento em que o professor se debruça sobre o objeto de estudo em questão, que é o seu fazer pedagógico no cotidiano da sala de aula, o trabalho docente é analisado, indagações são respondidas e intervenções são produzidas. A atualização da prática pedagógica requer a construção de novos conhecimentos até para dar conta de responder e interpretar os desafios da realidade presente, mas há também que se considerar a permanente revisão destes saberes, o que está sendo satisfatório e o que é preciso mudar na reflexão sobre a prática. O parâmetro desta avaliação é sem dúvida a aprendizagem dos alunos, objetivo prioritário da tarefa do educador.
O desafio maior é o de organizar os saberes, na perspectiva apontada por MORIN (2001, p. 36), de que: “O conhecimento das informações ou dos dados isolados é insuficiente”. É preciso situar as informações e os dados em seu contexto para que adquiram sentido. Para ter sentido a palavra necessita do texto, que é o próprio contexto, e o texto necessita do contexto no qual se enuncia. Desse modo, a palavra ‘amor’ muda de sentido no contexto religioso e no contexto profano, e uma declaração de amor não tem o mesmo sentido de verdade se é enunciada por um sedutor ou um seduzido.
O registro da prática deve ser feito por atividade e pode ser apresentado de forma escrita pelo professor ou por um coordenador pedagógico que observe as atividades de classe e deve incluir um relato do desenvolvimento da atividade e uma pequena avaliação. Além do suporte escrito, essa documentação pode ser feita com gravações em áudio ou vídeo. “Ao se ver e ouvir, o professor consegue analisar o que não percebe que está fazendo”, explica Regina Scarpa. Segundo ela, “Isso envolve a utilização de diferentes recursos para trazer a experiência prática para a análise coletiva: os professores apresentam situações didáticas ou produções das crianças para serem tematizadas; o formador leva situações simuladas, ou de outros professores que forneçam material para a reflexão. No caso, a gravação de vídeos é interessante, pois permite organizar a discussão a partir de imagens previamente selecionadas.”.
Conforme os professores apresentam os trabalhos desenvolvidos em sala, as dificuldades encontradas na realização das atividades há a possibilidades da reflexão e debate mediados pelo formador. As dúvidas e comentários ajudam no estabelecimento da relação da prática com a teoria fundamentando a discussão e programação de ações mais adequadas às necessidades de aprendizagem dos alunos.
Neste momento de tematização os professores desenvolvem o pensamento prático-reflexivo produzindo conhecimento pedagógico decorrente da investigação e visão das coisas sob diferentes prismas, considerando aspectos aparentemente irrelevantes. Conseguem, portanto problematizar, levantar hipóteses, identificar e nomear dificuldades , bem como buscar soluções e alternativas de ação elaborando propostas de intervenção didática, refletindo e discutindo a adequação das mesmas. Deixam de ser somente receptores de informações para se converter em participantes ativos, usando seus conhecimentos e experiências prévias, explicando suas crenças e valores pessoais. “Ao tomar consciência das hipóteses didáticas, conseguimos ultrapassar a tradicional dicotomia entre certo e errado e a atitude prescritiva que costuma caracterizar as atividades de análise da prática docente", completa Telma.
Temos dois principais caminhos a percorrer: o da dupla conceitualização e o da tematização da prática propriamente dito. Dupla conceitualização : É a estratégia que permite dois aprendizados simultâneos: sobre o objeto de ensino e sobre as condições didáticas para ensiná-lo.
Essa estratégia surgiu dentro da didática da Matemática e os programas de formação mais atualizados estão fundamentalmente apoiados nesse tipo de intervenção. Ela recebe esse nome por permitir que, durante a formação, ocorram paralelamente dois aprendizados: sobre o objeto de ensino e sobre as condições didáticas necessárias para que os alunos se apropriem dos conteúdos, conforme explica a educadora argentina Delia Lerner no livro Ler e Escrever na Escola: o Real, o Possível e o Necessário. Outras áreas também começaram a usá-la, com destaque para Leitura e Escrita, na década de 1990.
A dupla conceitualização envolve duas etapas principais. Na primeira, o coordenador propõe uma atividade desafiadora para os professores. O objetivo é fazer com que eles vivenciem a situação de aprendizagem e identifiquem os conhecimentos que estão em jogo para ensinar determinado conteúdo. Se o tema da formação é o desenvolvimento da competência escritora, é possível propor ao grupo a produção de um texto e, durante o processo, fazer as intervenções necessárias usando os procedimentos envolvidos na construção textual, como o planejamento e a revisão. “Durante essa fase, o formador pode reconceitualizar os conteúdos, tornando observável o que os professores têm de ensinar. No caso da escrita, as intervenções devem mostrar que o conteúdo em jogo não é uma fórmula para ensinar e produzir os diferentes gêneros, mas a construção de competências leitoras e escritoras no aluno”, explica Paula Stella, coordenadora do Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária (Cedac), em São Paulo.
Na segunda etapa, o formador mostra como ensinar. Com base na atividade feita pelo grupo, ele promove uma discussão sobre as condições proporcionadas para realizá-la, a maneira como foi feito o planejamento, as intervenções do coordenador e o motivo de elas terem sido usadas – e levanta hipóteses sobre como ensinar determinado conteúdo. No fim, os professores devem ser capazes de planejar um plano de aula ou uma sequência didática para os alunos dentro da perspectiva estudada. “Apesar de serem mais difundidas na Matemática e na Leitura e Escrita, as situações de dupla conceitualização podem ser adaptadas à reflexão sobre o ensino de qualquer disciplina desde que sejam garantidas as duas etapas: a reconceitualização do conteúdo e o modo de ensiná-lo”, afirma Regina Scarpa, coordenadora pedagógica da Fundação Victor Civita. Tematização da prática: “Tematizar significa retirar algo do cotidiano, fazer um recorte da realidade, para, então, transformá-lo em objeto de reflexão. É teorizar”, explicaTelma Weisz, professora, pesquisadora e uma das pioneiras na introdução dessa estratégia no Brasil.
Antes de tematizar sobre a prática, é preciso capturá-la na forma de relatos e registros. Na primeira categoria, estão as escritas profissionais, como os relatórios e os diários de classe elaborados pelos professores. É importante ter clareza de que os relatos são sempre uma impressão da realidade, condicionada pelos saberes prévios de quem os produziu. Com base neles, é possível ter acesso às concepções dos professores. Já os registros são a documentação da prática que não passa pelo filtro ou pela interpretação de um relator. Aí estão as gravações feitas em vídeo ou áudio de uma aula e a observação em sala feita pelo coordenador pedagógico. Por não passarem por interpretação, eles permitem saber o que de fato ocorreu durante a interação entre aluno e professor. Por fim, essa ferramenta também pode ser usada tendo como base o planejamento de projetos didáticos e institucionais, sequências didáticas, planos de aula, rotina, portfólios dos alunos e até o projeto pedagógico – documentos que, ao serem elaborados em parceria entre professores e formadores, possibilitam a tematização em tempo real.
Para que ela aconteça de forma satisfatória, algumas condições básicas precisam existir. Devem ser usadas boas práticas como modelos para análise e discussão. Eles podem ser conseguidos dentro da própria escola ou trazidos de fora. Caso o professor que terá seus registros estudados seja da equipe, ele deverá aceitar os objetivos didáticos da tematização, estar consciente dos ganhos que terá no processo e concordar em socializar seus escritos com os colegas. Esse planejamento é fundamental para que a estratégia não se torne um julgamento da prática sem resultados formativos. “Não adianta registrar uma situação inadequada para dizer aos professores o que não funciona. É preciso ser afirmativo. O ideal são situações das quais seja possível extrair a teoria previamente estudada e os procedimentos aplicáveis a outras situações da mesma natureza”, ensina Regina Scarpa. É papel do coordenador trazer as referências teóricas necessárias para embasar a análise durante a formação.
De todos os tipos de registro, a gravação em vídeo é considerada a que tem o maior potencial formativo. “Ela permite que a prática seja analisada como ela realmente acontece, sem o viés interpretativo ao qual os relatórios estão sujeitos”, afirma Paula Stella, do Cedac
Os dois caminhos trilhados – a dupla conceitualização e a tematização da prática – se encontram no fim. Bem trilhados, levam à aprendizagem dos alunos. Ao reconhecer que os professores podem (e devem) construir continuadamante a reflexão sobre a prática e de que a base dos processos formativos são os conhecimentos didáticos que decorrem desse processo, o coordenador é capaz de fazer uso das estratégias de maneira a produzir uma escola dinâmica, independente e capaz de se adaptar constantemente às mudanças e exigências dos processos de ensino e aprendizagem.
A principal dificuldade que temos na implantação dessa proposta tem a ver com o tipo de cultura profissional, pois para o professor acha difícil incluir-se como parte na avaliação dos sucessos ou insucessos de seus alunos e avaliar seus processos de ensino. Diz Scarpa que “a única possibilidade de mudança é criar mecanismos pra o desenvolvimento de uma cultura colaborativa nas escolas em que a reflexão sobre o próprio trabalho seja um de seus componentes. .....Se queremos formar professores reflexivos temos que criar condições institucionais (horário de reuniões, atitudes, espaço de interlocução e trocas) para que essas reflexões possam ocorrer. Só assim acreditamos ser possível reverter o investimento na formação de professores no desenvolvimento de um trabalho de maior qualidade junto às crianças que resulte na melhoria de suas aprendizagens.
Ser formador é oferecer a teoria e as condições para aprimorar a prática. É reunir opiniões e concepções da equipe em torno de um projeto pedagógico. É fazer com que os professores consigam ver além dos hábitos e conceitos adquiridos coma experiência e a formação inicial, por meio da sistematização do que ocorre em sala de aula. “Ao se tornar um formador, dominando as estratégias e o conhecimento didático, o coordenador assume sua responsabilidade e seu papel decisivo para a aprendizagem dos alunos”, finaliza Regina Scarpa.
É importante a reflexão da inconstância do conhecimento, pois permite a compreensão da necessidade humana de questionar e responder suas dúvidas buscando explicações da realidade. O conhecimento que validamos hoje poderá não ser o de amanhã. Essa busca e desconstrução das idéias é que leva à superação da ignorância .




BIBLIOGRAFIA:
Ensinar: Tarefa para Profissionais, Beatriz Cardoso (org.), 406 págs., Ed. Record, tel. (21) 2585-2000,
Era Assim, Agora Não: Uma Proposta de Formação de Professores Leigos, Regina Scarpa, 132 págs., Ed. Casa do Psicólogo, (11) 3034-3600, edição esgotada
Ler e Escrever na Escola: o Real, o Possível e o Necessário, Delia Lerner, 128 págs., Ed. Artmed, tel. 0800-7033444,

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